segunda-feira, 10 de abril de 2017

Capítulo 3: O defeito era eu ?!

Durante uma grande parte da minha vida eu acreditei que a dor das outras pessoas eram menores que a minha, eu pensava que eles sofriam muito por coisas pequenas, acreditava que se alguém estivesse no meu lugar, vivendo o que eu vivi, sendo quem eu sou, já tivesse desistido a muito tempo atrás. Pensar assim de certa forma me conforta, faz me sentir que eu sou forte. Mas hoje penso diferente,dor é dor, não existe pior, nem melhor, quando tiver de doer vai te dilacerar por dentro.
Esse é o ponto da minha história onde as coisas complicam, onde eu me perdi.
Esse é o ponto onde eu criei quem eu sou hoje e me aprisionei nisso.
Vou tentar lhe fazer entender da forma mais simples possível. Já assistiu desenho animado depois de adulto? Eu assisto. Não porque é divertido ou engraçado... Eu assisto me perguntando o porque eu achava aquilo interessante, eu assisto me questionando o porque daquilo não ser mais tão legal quanto era antes. Me perguntando qual foi o momento exato onde aquilo perdeu a graça e deixou de ter significado pra mim,
Minha mãe resolveu dar a mim  e ao meu irmão a escolha de morar com a minha avó paterna, meu irmão disse não na hora, acho que ele não queria se distanciar da minha mãe, eu disse não também, estava com medo de ficar só nessa decisão, eu era muito novo para dar adeus a minha mãe assim, da mesma forma que tive de dar adeus ao meu pai.
Cada dia que se passava me fazia repensar o "não" que eu tinha dado, cada aula naquela escola de crianças com vocabulário chulo se passava lentamente e me fazia pensar o porque eu não aceitei a proposta da minha maãe, será que minha vida seria melhor em outro lugar?
Essas dúvidas me sufocou até que resolvi aceitar e ir morar com a minha avó.
Decidi dar adeus a minha mãe, exatamente da mesma forma que dei ao meu pai e agora aos meus irmãos.
Por incrível que pareça,não me lembro do momento exato quando cheguei na casa da minha avó, pois sempre estive lá durante as férias... Mas aquelas férias eram diferentes, porque em um certo momento as aulas começaram e aquele lugar agora era minha casa, minha nova casa.
Muita coisa lá me surpreendeu, minha avó que sempre fazia tudo por mim... Meu avô que sempre comprava tudo que eu precisava e que eu não precisava também como uma forma de mimo. Meu pai que aparecia todo feriado cansado sem falar muita coisa, minha tia sempre alternando assuntos como ofertas de empregos e críticas de lojas comerciais...
Tudo era perfeito ali... Com tempo o vizinho que tinha a mesma idade que eu se tornou meu melhor amigo, criávamos aventuras nas nossas mentes com fatos do cotidiano, estava matriculado na melhor escola da cidade,ganhei um filhotinho de cachorro que mais parecia um rato de tão pequeno com qual brincava o dia inteiro.
Como eu tinha dito, tudo parecia perfeito, mas tinha algo errado!
Eu estava só.
Teria como estar só, com tantos cuidados que todos me davam ali?
Aquele sentimento de solidão ecoava dentro de mim a noite antes de dormir,  de manhã quando eu estava sentado naquele corredor escuro do ultimo andar do colégio, que era enorme por sinal.
A escola não era o que deveria ser, era apenas um lugar onde eles agrupavam as crianças, ensinava conceitos, cobrava tarefas com um alto nível de exigência para poder cobrar um preço alto pros pais no final do mês.
Todos intervalos do colégio, eu sempre estava na secretaria conversando com a recepcionista. Ela era a unica que eu realmente considerava amiga, porque me ouvia, conversava comigo, ao invés dos garotos da minha idade que só corriam, davam tapas um nos outros e criavam apelidos para provocar...
Para lhe dar uma noção de como eram essas crianças, vou citar fatos que aconteceu comigo. Eu tinha uma borracha, ela era verde e grande, tinha tentado desenhar a Monalisa nela,tentativa mal sucedida por sinal. Por algum motivo desconhecido, um garoto da minha classe veio até mim, ele era muito bonito, paparicado pelos professores, popular no colégio... Disse que a borracha era dele, foi então que eu disse não, mas ele insistiu que era dele, até chegou a informar o professor de que eu a tinha roubado, eu continuei a dizer que não, outros garotos começaram a afirmar que a borracha era sim dele e que ele tinha desenhado a Monalisa. Eu me senti deslocado, o professor me fez entregar a borracha pra ele, comecei a duvidar realmente se a borracha era minha, mesmo tendo a memória fresca de ter trago pra escola e desenhado nela.
Em outro momento, ouve uma excursão a uma cidade vizinha, toda turma estava no ônibus, eu estava sentado numa poltrona na parte do meio do veículo, um garoto sentado na poltrona da frente inclinou ao máximo ao ponto de estar com a cabeça próximo ao meu peito. Eu pedi para ele levantar um pouco, ainda um pouco surpreso com o quando aquelas poltronas desciam, ele disse não. Puxei a alavanca dele, a cadeira dele voltou a posição normal e ele se virou contra mim. Não sei porque, mas todos pareciam estar contra mim como sempre, mesmo eu tendo a certeza que estava certo, o amigo dele sentado ao lado dele segurou sua alavanca para que eu não a puxasse denovo, ele voltou a inclinar a poltrona e até mesmo o rapaz que sentava ao meu lado se certificou de me segurar para que eu não inclinasse a minha. Todos ali se uniram para ter me deixar desconfortável, porque aquilo acontecia comigo? Porque essa situação era engraçado pra eles? Porque ele faziam isso mesmo sabendo que estavam errados? Será que eles sabiam que estavam errados? Era isso que eu me perguntava enquanto era segurado e motivo de deboche.
Aquela sensação de que agora tudo estava perfeito, só existia na cabeça da minha familia. O vizinho que era meu melhor amigo, era muito diferente de mim apesar de topar viver minhas aventuras pela vizinhança...
Minha avó nunca soube o que se passava comigo na escola e o quanto isso ainda iria piorar com o decorer dos anos.
Minha tia nunca deixou de criticar as coisas...
Meu avó continuou fazendo compras...
E meu pai sempre fazendo visitas aleatórias...
E eu lá, sozinho, mas cercado de gente.
Até que por fim, minha notas cairam, desenhos meus começaram a abranger temas como morte e solidão, minhas brincadeiras passaram a ser dentro de um quarto fechado e parei de ver meu vizinho/amigo.
Depressão foi o diagnóstico dado pela minha avó, primeira medida tomada foi me levar a uma psicóloga.
Me espantava com tanto branco naquela sala da psicologa, móveis, paredes, cortinas...
Jogávamos bastante enquanto conversávamos sobre diversas coisas, mas nunca conversamos sobre o que realmente importa, ela nunca tentou descobrir o que se passava comigo, nunca perguntou como eu me sentia em relação ao divorcio dos meus pais, ou inimizades do colégio...
Foram sessões perdidas, vazias assim como minha vida era.
Aquela casa onde eu me divertia tanto no período das férias, parecia mais um velório pra mim naquele momento.
Que opção eu tinha? voltar pra cidade da minha mãe onde eu tinha a certeza que não era meu lugar? ou continuar aqui onde eu era infeliz?
Comecei a acreditar que o problema era eu, os lugares jamais seriam bons o bastante para mim.
Não importe o quanto eu queira voltar, voltar a morar com a minha mãe, voltar a morar com meu pai, ficar morando na minha avó... Cada vez que eu voltar a morar com um deles, eu sabia que tudo ficaria sem graça denovo, assim como o desenho animado, que você assiste mas não ri.
O vazio tomou conta da minha alma,o colégio me fez acreditar que ter ou não razão não fazia mais diferença porque no final estavam todos contra mim, meu avós me fez acreditar que ter infra-estrutura, cuidados e atenção não faria diferença no meu modo de ser feliz, meu pai me fez acreditar que tê-lo por perto não me ajudaria em nada, pois mesmo estando alí, ele nunca estava perto o suficiente.
Minha dor não vem da explosão de uma bomba em um certo momento, vem pela picada de uma agulha a cada segundo.
Mas de agora em diante, minha vida ficou cinza, cores não existem mais.
por Denkilt

2 comentários:

  1. Este comentário foi removido pelo autor.

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  2. Conheço a sensação de parecer que nenhum lugar é o seu lugar. E sei que em alguns momentos parece que algumas pessoas simplesmente não nasceram pra ser felizes. Mas assim como os desenhos fizeram parte da sua história um dia, todos esses lugares nos quais se sente vazio, irão ser passado também. Tudo isso um dia vai passar, e eu espera que você ainda esteja aqui pra nos contar sobre eles novamente.

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